Tendo havido o desfazimento do negócio de compra e venda de veículo automotor entre as partes, impõe-se a devolução do valor pago pelo comprador, uma vez que o bem retornou ao vendedor, sob pena de enriquecimento injustificado.
AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ.
Considerando que o embargante demonstrou a aquisição de boa-fé do veículo sobre o qual, após a transferência do bem para o seu nome junto ao DETRAN, recaiu a restrição judicial, impõe-se a manutenção do julgamento de procedência dos embargos de terceiro.
APELO PROVIDO EM PARTE.
Apelação Cível | Décima Sexta Câmara Cível |
Nº 70043599992 | Comarca de Gravataí |
ADAO SOUZA DE OLIVEIRA | APELANTE |
VALMI FERREIRA DE VARGAS | APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover em parte o apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Março Aurélio dos Santos Caminha (Presidente e Revisor) e Des.ª Ana Maria Nedel Scalzilli .
Porto Alegre, 11 de agosto de 2011.
DES. PAULO SERGIO SCARPARO,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Paulo Sergio Scarparo (RELATOR)
Inicialmente, adoto o relatório da sentença (fls. 49-50):
Do Processo n. 015/1.08.0010905-2.
Trata-se de ação de rescisão de contrato de compra e venda de veículo proposta, no dia 02-set-2008, por ADÃO SOUZA DE OLIVEIRA em face de VALMI FERREIRA DE VARGAS, estando as partes devidamente qualificadas e representadas nos autos.
Relatou que no dia 08-maio-2008 firmou com o requerido um contrato de compra e venda de veículos pelo qual comprou do requerido um caminhão Ford/Cargo 4030, ano 2000, cor branca, placas IJX-9999, e um reboque marca Guerra, de 3 eixos, ano 1984, placa IBO-3580, pelo valor total de R$ 100.000,00. Em contrapartida, assumiu as prestações de leasing do caminhão, alcançou ao réu a quantia de R$ 15.000,00 e deu – dação em pagamento – um caminhão Mercedes Benz/709, ano 1993, cor branca, placas IGP-0892. Mencionou que efetuou o pagamento de 3 parcelas do leasing, no valor de R$ 2.350,57 cada, mas, em virtude de ter perdido os fretes com os quais contava, não mais pode satisfazer a avença. Notificou o demandado do ocorrido, mas ele não demonstrou qualquer interesse em desfazer a pactuação. Mencionou que o motivo do desfazimento do negócio é pelo fato do reboque e do arrendamento do caminhão estarem em nome de terceiros e não do réu, os quais não foram notificados para anuir com a relação negocial compra e venda. Em seus pedidos requereu a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita/AJG, o deferimento de antecipação de tutela para buscar e apreender o caminhão objeto da dação em pagamento, a citação do réu e a produção de provas, bem como, ao final, a procedência da demanda para confirmar o pleito antecipatório e declarar a rescisão do contrato para condenar o demandado a restituir a quantia de R$ 15.000,00 e o valor das 3 prestações pagas (fls. 02-05). Deu à causa o valor de R$e juntou, além de procuração (fl. 06), demais documentos (fls. 07-14).
Determinada a emenda à inicial (fl. 16), o autor o fez para juntar declaração de pobreza (fl. 18) e um documento (fl. 19).
Foi deferida a gratuidade da justiça, mas não o pedido antecipatório, sendo que, em poder geral de cautela, o Juízo determinou a inserção de restrição no prontuário do veículo (fls. 20-21).
Citado no dia 29-out-2008 (fl. 29), o demandado contestou a ação asseverando que o autor tinha conhecimento de que o caminhão estava em nome de terceiro, quem seja, Moacir Oliveira, sendo que detém procuração dele para negociar o veículo. Aduziu que ele também tinha conhecimento de que o reboque estava em nome da pessoa jurídica Vargas e Vargas, da qual é sócio. Mencionou que o demandante resolveu desistir da pactuação e impugnou a alegação de que os fretes eram condição do negócio. Pugnou pela produção de provas e improcedência da ação (fls. 31-32), juntando procuração (fl. 33) e outros documentos (fls. 34-37).
Houve réplica (fls. 39-43).
Indeferida (fl. 46) a diligência requerida pelo autor às fls. 44-45, o processo veio concluso para a prolação da sentença.
Do Processo n. 015/1.08.0012888-0.
No dia 16-out-2008, ROGER DOS SANTOS SCHERER propôs embargos de terceiro em face de ADÃO SOUZA DE OLIVEIRA, estando as partes devidamente qualificadas e representadas nos autos.
Alegou que adquiriu de Valmi Ferreira de Vargas, no dia 29-ago-2008, o caminhão furgão Mercedes Benz/709, ano 1993, placas IGP-0892, de cor branca, chassi n. 9BM688102PB971875, que se encontrava livre e desembaraçado de qualquer ônus ou gravame, sendo surpreendido com posterior restrição judicial lançada no prontuário do veiculo em decorrência da ação de rescisão contratual que o ora requerido move contra aquele. Aduziu que a restrição judicial não pode recair sobre o bem, pois adquiriu-no antes do ajuizamento da ação de rescisão de contrato, inexistindo à época qualquer restrição sobre o veiculo. Aduziu que o seu direito deve ser preservado em razão de sua boa-fé. Requereu o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita/AJG, de antecipação da tutela para que seja cancelada a restrição judicial junto ao prontuário do veiculo, a suspensão do processo resolutivo e o acolhimento dos embargos, dando-lhes o valor de alçada (fls. 02-08). Juntou procuração (fl. 09), comprovante de recolhimento das custas judiciais (fl. 49-50) e outros documentos (fls. 10-44).
O pedido antecipatório foi indeferido (fls. 53-54).
Citado no dia 17-dez-2008 (fl. 66), o embargado impugnou os autos asseverando que notificou Valmi Ferreira de Vargas, em 12-ago-2008, para não alienar o caminhão, sendo que ingressou com a ação de rescisão contratual no dia 02-set-2008, ao passo que a restrição judicial sobre o caminhão foi realizada em 1º-out-2008. Mencionou que o bem foi vendido para o ora embargante por valor inferior ao de mercado. Pugnou pela concessão da assistência judiciária gratuita/AJG e pelo acolhimento dos embargos (fls. 56-59), juntando documentos às fls. 60-61.
Houve réplica às fls. 63-65.
Depois de nova manifestação do embargado ás fls. 67-68, o processo veio concluso para a prolação da sentença.
Sobreveio decisão, com o seguinte dispositivo: ante o exposto, julgo os processo como segue: 1) JULGO IMPROCEDENTE a ação de rescisão de contrato de compra e venda de veículo (n. 015/1.08.0010905-2) proposta, no dia 02-set-2008, por ADÃO SOUZA DE OLIVEIRA em face de VALMI FERREIRA DE VARGAS, nos termos do inc. I do art. 269.
Para o fim de: REVOGAR a decisão antecipatória; e CONDENAR o autor Adão Souza de Oliveira ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 12% sobre o valor dado à causa e corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde a data do ajuizamento do processo; porém, beneficiário da gratuidade da justiça, por ora suspendo a exigibilidade de tais valores. 2) ACOLHO os presentes embargos de terceiro (n. 015/1.08.0012888-0) opostos, no dia 16-out-2008, por ROGER DOS SANTOS SCHERER em face de ADÃO SOUZA DE OLIVEIRA, para o fim de: DETERMINAR o cancelamento da restrição sobre o prontuário do caminhão Mercedes Benz/709, 1993, cor branca, placas IGP-0892 – fl. 44 dos embargos; e CONDENAR o embargado Adão Souza de Oliveira ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 800,00 e corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde a data de publicação desta sentença; porém, beneficiário da gratuidade da justiça, por ora suspendo a exigibilidade de tais valores
(fl. 52).
Irresignada com o deslinde dado ao feito pelo juízo de origem, apela a parte-autora-embargada.
Alega, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, reitera os argumentos expendidos ao longo da tramitação do feito. Postula o provimento do apelo desconstituindo-se a sentença e reabrindo-se a instrução ou, não sendo esse o entendimento, julgando-se procedente o pedido deduzido na ação de rescisão contratual e improcedente o formulado nos embargos de terceiro. (fls. 59-63).
Embora devidamente intimada a parte-recorrida (fl. 65), transcorreu in albis o prazo para apresentação de contra-razões (fl. 65v).
Registro que foi observado o disposto nos arts. 549, 551,552.
VOTOS
Des. Paulo Sergio Scarparo (RELATOR)
Da preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa.
Alega a parte-embargante, em síntese, que a sentença seria nula em razão de o juízo de origem não ter examinado o pedido formulado nos embargos de terceiro no sentido de que o embargante fosse intimado para se manifestar acerca da alegação de que teria ocorrido o distrato do contrato firmado com Valmi Ferreira de Vargas (fls. 67-68 do processo n. 10800128880).
Embora o juízo não tenha apreciado a postulação da parte, não há falar em nulidade da sentença, pois descabida a postulação da parte.
Incumbia à parte-autora-embargada, e não ao embargado, demonstrar o alegado distrato do contrato que fundamenta o pedido deduzido na inicial dos embargos de terceiro.
Dessarte, é de ser rejeitada a preliminar de nulidade da sentença.
Dos embargos de terceiro.
Pelo que se extrai dos autos, o embargante Roger dos Santos Scherer adquiriu o veículo registrado no DETRAN sob o n. IGP0892 de Edfuardo Celilo Fidelis, transferindo-o para o seu nome junto ao DETRAN (fls. 10-13 do processo n. 10800128880).
À época da celebração da compra e venda, não havia qualquer restrição sobre o veículo registrada no DETRAN.
Sendo assim, tenho que o embargante demonstrou, de modo suficiente ser o legítimo proprietário do veículo, de modo que a controvérsia instaurada entre o embargado Adão e Valmi Ferreira de Vargas, nos autos da ação de rescisão contratual, não autoriza seja imposta restrição judicial à transferência do veículo.
Anoto que nada há nos autos a corroborar a alegação de que o embargante agiu e má-fé ao adquirir o veículo de Valmi Ferreira de Vargas.
Nesse contexto, restando suficientemente demonstrada a aquisição de boa-fé do bem, impõe-se a manutenção do julgamento de procedência dos embargos de terceiro.
Da ação de rescisão contratual.
Pelo que se extrai dos autos, a parte-autora-embargada e Valmi Ferreira de Vargas celebraram, em 08.05.2008, dito contrato de compra e venda de veículos, nos seguintes termos (fl. 12 do processo n.10800109052):
CLÁUSULA PRIMEIRA:
O objeto do presente contrato é um caminhão de fabricação nacional marca Ford/Cargo, modelo 4030, ano 2000, cor branco, placa: IJX 9999 e um rebolque (CAR/S.REBOQUE/TRAN.TORAS), marca Reb/Guerra, modelo três eixos, cor predominante branca, ano de fabricação 1984, placas: IBO 3580.
Parágrafo primeiro: O caminhão acima referido pertence a Dibens Leasing S.A Arrendamento Mercantil e o reboque (Julieta) de placas IBO 3580 pertence à Transportadora Vargas & Vargas Ltda.
CLÁUSULA SEGUNDA:
O Comprador pagará ao Vendedor R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo R$ 15.000,00 (quinze mil reais) neste ano em espécie, R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) por meio de 10 (dez) promissórias no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) cada um com vencimentos em 08/06/08 e as demais em igual data dos meses subseqüentes, e mais um caminhão marca M.Benz, modelo 709, ano de fabricação 1993, cor branca, placas: IGP 0892, tipo CAMINHÃO FURGÃO, em nome de Adão Souza de Oliveira, CPF nº 150.871.150/04, o qual passará procuração ao Vendedor, podendo estas com a referida procuração, alienar a qualquer título o referido caminhão.
Parágrafo único: Assumirão o Comprador a partir da entrega dos bens, os seguintes compromissos financeiros:
Pagamento referente ao financiamento na modalidade leasing, vinculado ao caminhão de placas IJX 9999.
Meses após a celebração do contrato, a parte-autora-embargada desistiu do negócio, restituindo os veículos a Valmi Ferreira de Vargas, conforme expressamente admitido na contestação (fl. 31 do processo n. 10800128880).
Sendo assim, como consectário lógico do desfazimento do pacto outrora celebrado entre as partes, tenho que faz jus a parte-autora-embargante à restituição do montante alcançado a Valmi – R$ 67.051,71 –, devidamente corrigido pelo IGP-M, desde a data da celebração do contrato – 08.05.2008 (fl. 13 do processo n.10800109052)–, e acrescido de juros de mora, a contar da citação – 29.10.2008 (fl. 30 do processo n.10800109052).
Solução diversa, à evidência, acarretaria o enriquecimento sem causa de Valmi.
Da conclusão
Com essas breves considerações, voto pelo provimento em parte do apelo , nos termos da fundamentação.
Face ao desfecho dado à ação de rescisão contratual, condeno Valmi a arcar com as custas e com os honorários dos patronos da parte adversa, fixados em R$ 3.000,00.
Versa o acordao sobre matéria de vicio de produto, prevista no artigo 18 da lei 8.078/90, que responsabiliza os fornecedores sempre que esse produto for inadequando ou improprio ao consumo a que se destina, ou que o vicio apresentado lhe diminua o valor. O paragrafo primeiro desse dispositivo legal coloca a disposição do consumidor duas alternativas: poderá ele exigir a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso ou exigir a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos. Para exercer seu direito deve o consumidor dar ciência ao fornecedor, relativamente ao vicio constatado no produto, já que após o prazo máximo de 30 dias, e não tendo o vicio sanado poderá ele se utilizar das alternativas legais.
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